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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Forno e fogão na Casa Branca

Obesos e obesas do Brasil, rejubilem-se. Michelle Obama está a caminho daí na luta contra a obesidade. Ela fala com conhecimento de causa, não própria - ela é músculo puro -, mas da obesidade dos gringos, maior, mais cara e mais assassina do que no resto do mundo. Nossos gordos e gordas estão na mesma trajetória.

Na obesidade, como em outras questões, o Brasil tem uma política esquizofrênica. Tudo ou nada. Em São Paulo, candidatas a professoras passaram nos concursos, foram nomeadas, mas as obesas foram barradas em código, "não aptas". Foi preciso uma equipe do programa Fantástico acompanhá-las para descobrir que o código E-66, razão do veto, significa obesidade.

Aqui os obesos são vistos com suspeita, desprezo estético e os não-obesos consideram injusto que o sistema de saúde tenha que arcar com os custos médicos relacionados à obesidade. Comida de pobre é mais barata e envenenada, mas não há veto em emprego público por excesso de peso. No setor privado, quando há, e já houve, vai parar no tribunal.

O foco de trabalho da primeira dama americana é obesidade das crianças. Numa associação sem precedentes, ela se uniu à Walmart, a maior rede de supermercados do país numa campanha contra os três maiores assassinos na mesa: gordura, açúcar e sal. E uma promessa de reduzir custos de verduras e frutas.

A primeira-dama tem mais ibope e credibilidade do que o marido. Pouco depois da posse dele, mandou transformar parte do jardim da Casa Branca numa horta, já posou plantando, colhendo, bamboleando, malhando. Nas viagens internacionais, uma das primeiras perguntas que os líderes fazem a Obama é sobre a horta da casa. Vem daí o plano de internacionalizar a luta contra a obesidade.

A primeira-dama fiscaliza a cozinha, mas não é chegada ao forno nem ao fogão. Quando pediram a ela sua receita favorita, Michele não soube responder. Trabalhou pesado como advogada, não aprendeu a cozinhar bem, gosta de restaurantes e tem dois chefs em casa.

Cristeta "Cris" Comerford é a primeira mulher e a primeira não-americana a comandar a cozinha da Casa Branca (os Kennedys tinham um francês e daqui a pouco chegamos nele). Filipina de nascimento, estudou tecnologia de alimentação, chegou aqui aos 23 anos, trabalhou em hotéis, restaurantes e entrou na cozinha da Casa a convite do chef dos Clinton, como assistente.

Laura Bush gostou dela e Cris foi promovida a chef. Na casa da Michelle, ela é responsável pelos jantares oficiais, grandes recepções dentro e fora de Washington e ocasiões especiais. Cris e o marido estão envolvidos em assistência social e já trabalharam como voluntários no interior do Brasil. Super cozinheira, no mês passado ganhou o prêmio no programa de televisão Iron Chef, competindo com alguns dos mais famosos chefs americanos.

Michele gosta dela porque é craque tanto no pesado quanto no leve. Uma das especialidades de Cris é um creme de espinafre. Sem creme!

Sam Kass é o outro chef na Casa Branca, mais chegado a Michelle, especialista em nutrição, crianças, saúde. Depois de uma recente entrevista coletiva de Michelle, os repórteres foram brindados com mel das abelhas da Casa Branca.

Comida fina não é uma tradição da presidência nem do povo americano. Franklin Roosevelt, homem de família rica que gostava e sabia comer bem em casa, comia mal na presidência. Mal não, pessimamente. A cozinheira era uma amiga e vizinha da mulher cujo marido tinha perdido o emprego na depressão.

Eleanor levou a mulher para cozinhar na Casa Branca, mas era impossível distinguir a carne bovina da suína ou até da galinha. Tudo vinha debaixo de um molho pesado cinzento. Em pouco tempo o molho ficou famoso e os convidados para jantar com o presidente, antes de ir jantar na Casa Branca, passavam pelo restaurante. Franklin chiava, mas Eleanor ignorava o tempero, sabia que a amiga precisava do dinheiro e não queria magoá-la.

Harry Truman, como a maioria dos presidentes anteriores - e Lula, no Brasil - usava cozinheiros das Forças Armadas.

Os Kennedys levaram a cozinha refinada para a Casa Branca. Eles tinham uma cobertura no hotel Carlyle onde conheceram o meticuloso e temperamental - francês - Rene Verdon, que morreu semana passada. Naquela época, Nova York tinha dois ou três restaurantes franceses. Verdon e a fantástica Julia Child são os principais responsáveis pelo refinamento do paladar americano.

Quando Kennedy foi assassinado, Verdon continuou na Casa Branca a serviço dos Johnsons. O cardápio mudou. De linguado e lagosta para churrasco e pratos texanos.

Michele leva a fama de ser responsável pela primeira horta na Casa Branca, mas Verdon já cultivava verduras no teto, ervas no jardim, só usava alimentos locais e frescos. Hoje está na moda. Os Johnsons contrataram um supervisor para baixar os custos da cozinha, mas Verdon se recusou a usar produtos congelados.

Um dia pediram a ele um purê de feijão garbanzo (grão-de-bico) frio para acompanhar o churrasco.

O francês reagiu: "Este garbanzo quente é péssimo. Frio é um pavor!"

Francesamente, arremessou o avental, gritou o efe e nunca mais voltou.

Esta saida teatral, pelo menos em parte, deve ser criação da imprensa, mas o jornal Washington Post, em editorial, anunciou que a partida de Verdon marcava o verdadeiro fim da era Kennedy em Washington. 
Lucas Mendes é jornalista, atualmente é colunista da BBCbrasil.com

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