A Colômbia é um país em conflito. Visitar este país, conversar com as pessoas e buscar respostas para essa situação é surpreender-se ainda mais com o impacto gerado pelo conflito interno na vida dos colombianos. Um dos depoimentos que mais me impressionou foi o do jovem Camilo Andrés Gamboa, professor de História e estudante de Filosofia, que participou da expedição Ruta Inka 2010. Ele teve sua vida fortemente afetada pelo conflito militar. Assim, gostaria de compartilhar abaixo parte de seu depoimento feito em entrevista, também disponível em vídeo em espanhol. Link: http://www.youtube.com/watch?v=5yKFK9q8DGc
“A Colômbia é um país sem memória, é uma nação apesar de si mesma, no sentido de que aqui a violência nos tem marcado com diferentes facetas desde o momento em que nasce o país.
No meu caso, tenho 22 anos e me marcou quase que o auge e finalização dos cartéis narcotráfico. Comecei a conhecer também certas mudanças que apresentaram os movimentos de esquerda revolucionários que lideravam o Exército de Libertação Nacional (ELN) e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que se supunha que era nosso movimento de resistência à opressão do governo. E também o nascimento de um movimento de ultra-direita, quase fascista, de grandes proprietários que queriam manter suas terras e que se chamarão autodefesas ou paramilitares. Somado a isso também cresci num momento em que a corrupção começa a ser forte nas forças militares.
A minha família é de tradição militar e me formaram com a intenção de que seguisse também a carreira militar. Desde pequeno eu gostava de história, dos movimentos sociais e evidentemente não segui esse caminho.
Na época de grande violência, entre 96 e 98, os grupos armados começaram a chegar a muitas cidades e povoados próximos às capitais. Dentro das famílias das grandes cidades era tradição possuir sítios para descanso. Os grupos revolucionários pensaram que por termos algumas propriedades tínhamos muito dinheiro. Minha família sofreu perseguição por 4 ou 5 anos por todas partes da Colômbia. Pessoalmente, essa situação me afetou muito porque um tio meu morreu em meio a tudo isso, levaram nosso dinheiro.
Uma força, supostamente a guerrilha [depois descobriu-se que eram paramilitares disfarçados de guerrilheiros], chega ao sítio da minha família e forçam meu pai a pagar dinheiro- ato que chamamos de “vacina”. Foi uma noite de horror para a família porque morreram alguns de meus tios e meu pai fugiu com minha mãe. Eu estava em Bogotá e fiquei sem comunicação com meus pais por quase um ano. Fiquei totalmente sozinho e com medo por não saber a quem pedir ajuda já que não se podia confiar no Estado nem na Polícia.
Eu tinha amigos que faziam malabares e viviam na Candelária, que é uma parte colonial e barata de Bogotá. Quando fiquei sozinho por medo e por segurança eles me acolheram. Foram minha família por um tempo e me ajudaram a buscar uma bolsa para estudar num colégio.
Meus pais aparecem depois de quase um ano e meio e me encontram. Aí eu já tinha uns 14 anos. Foi uma das coisas mais emocionantes que já vivi, foi uma catarse espiritual. Porque reencontrar meus pais foi reconciliar-me com a vida e entender que na Colômbia temos que viver coisas muito difíceis. Foi encontrar-me com minha própria identidade de colombiano e pensar que isso não pode continuar.
Isso vai marcar minha vida e minha visão a respeito do que é o conflito armado e do que passa com a estrutura política, social e econômica de Colômbia. Uma coisa é o que se vê na cidade, outra coisa o que se vê no campo e outra coisa é o que se projeta nos meios de comunicação ao exterior.
Depois de terminar o ensino médio vou estudar História na Universidade Nacional Pedagógica da Colômbia. Por todo tipo de experiência que tive ao invés de ter raiva dos militares e conflito armado o que eu busquei como jovem foi buscar uma solução para esses problemas e tratar de entender o porquê dessa violência. Em vez de investir na guerra se deveria investir em educação, saúde, habitação, e isso nunca aconteceu.
Conheci um companheiro, Leonardo Sánchez e junto com ele começamos grupos de trabalho e investigação com objetivo de desenvolver um discurso socialista, comunista, algo progressista, dizendo ao Estado que os pobres estão cada dia mais pobres e os ricos enriquecendo ainda mais, que a violência está nos consumindo, começamos a questionar algumas decisões na Guerra, a apontar também desde o acadêmico a intervenção do narcotráfico nas facções. Tínhamos entre 18 e 19 anos e já levávamos um ano no projeto, com adesão de muitos jovens.
O que acontece é que nas cidades quem tem um discurso comunista, de esquerda, é perseguido. Meu amigo desaparece e eu tenho que fugir em menos de uma semana para Espanha porque minha vida corria perigo. Fiquei seis meses estudando na Universidade de Salamanca e conheci a realidade da Espanha, que tem outra realidade, com outros tipos de problemas.
Ao voltar sou punido na universidade pública por haver ido e por estar vinculado a um movimento de esquerda, mas isso é inaudito. Vou estudar numa faculdade particular e começo a dar aulas de História e começo também um grupo de pesquisa para que não fique esquecido o que aconteceu e acontece aqui na Colômbia, para que não fique registrado através da imprensa estrangeira de que o país passou por um período de violência e que os guerrilheiros foram os maus e foram derrotados pelos paramilitares e pelo exército.
O conflito tem raízes complexas e é necessário identificar, há muitos nomes, o Estado intervém, há corrupção. A guerra hoje já não é de disparos mas de favores, de dinheiro sujo do narcotráfico que compra políticos, militares, paramilitares vinculados ao governo e também de guerrilhas.
Nosso Estado está construído por uma amálgama de conflitos o que fazem é nos sangrar. Por isso novamente digo: Colômbia mais que um Estado, é uma nação, mas uma nação apesar de si mesma. Porque é uma nação que nasce sangrando e se concebe sangrando, não como uma unidade mas como um grupo de pessoas que tem que sobreviver.”
Fonte:Carta Capital
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