Pesquisar este blog

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

ESPECIAL RÚSSIA

Especial Rússia (Foto: divulgação)

Arkady Dvorkovich: “O maior desafio é diversificar a economia”

Arkadi Dvorkovich (Foto: divulgação)
Economista Arkady Dvorkovich, de 39 anos,
 é o principal assessor econômico do
presidente Dmitry Medvedev 

(Foto: divulgação)


O principal assessor econômico do Kremlin, cuja missão é transformar em realidade o plano de modernização da economia russa, diz que o país não pode depender só de commodities como petróleo e gás para crescer

O principal assessor econômico do Kremlin, cuja missão é transformar em realidade o plano de modernização da economia russa, diz que o país não pode depender só de commodities como petróleo e gás para crescer
O economista Arkady Dvorkovich, de 39 anos, é o principal assessor econômico do presidente Dmitry Medvedev, uma posição que já ocupava no último ano da gestão de Vladimir Putin, em 2008. Mestre de xadrez e ex-presidente da Federação de Xadrez da Rússia, Dvorkovich é uma das faces mais liberais do atual grupo dirigente do país. Nos últimos anos, ele teve a missão de levar adiante o plano de modernização da economia, cujo principal objetivo é tornar a Rússia menos dependente de commodities como petróleo e gás, que hoje chegam a representar 70% das exportações. Agora, com a perspectiva de Medvedev se tornar o primeiro-ministro e de Putin voltar à presidência no início de 2012, Dvorkovich deverá deixar o Kremlin e espera juntar-se a seu chefe atual no novo gabinete parlamentar.
Instalado em uma sala ampla e austera, que pertenceu a Leonid Brezhnev, o líder soviético de 1964 a 1982, ele falou com exclusividade a ÉPOCA sobre o que a Rússia está fazendo para diversificar sua produção e o impacto das mudanças dos últimos vinte anos no país. “Hoje, o principal desafio é transformar uma economia baseada em commodities em uma economia mais centrada na inovação e no desenvolvimento tecnológico, com maior participação do setor de serviços no PIB (Produto Interno Bruto)”, diz Dvorkovich. “Embora as estatísticas ainda não mostrem isso, a estrutura da economia já está mudando. Não tão rápido quanto gostaríamos, mas já está mudando.”
Quem é
Principal assessor econômico do presidente Dmitri Medvedev e seu representante no grupo dos oito países mais industrializados (G8)
O que fez
De 2004 a 2008, dirigiu o Departamento de Especialistas da Presidência da República. Entre 2001 a 2004, foi vice-ministro do Comércio e do Desenvolvimento Econômico. Foi presidente da Federação de Xadrez da Rússia
Formação
Graduou-se em economia pela Universidade Federal de Moscou em 1994. Concluiu o curso de pós-graduação na Escola de Economia Russa, em 1996, e na Universidade Duke, nos EUA, em 1997.


ÉPOCA – Nos últimos vinte anos, quais foram as principais conquistas da Rússia na área econômica?
Arkady Dvorkovich – De um ponto de vista sistêmico, a transformação de uma economia planificada em uma economia de mercado foi a grande mudança nestes 20 anos. Ainda há uma participação significativa das empresas estatais na economia. Mas mesmo as estatais não operam em um ambiente de economia planificada. Elas estão tentando seguir os sinais do mercado. Alcançamos também um grau significativo de abertura econômica. Ainda temos uma economia menos aberta que o sudeste asiático e alguns países europeus mais liberais. Mas, em termos de taxas alfandegárias e outros obstáculos para o comércio e o investimento, temos um grau de proteção relativamente baixo. Com isso, nós nos beneficiamos de uma maior competição, que favorece as nossas empresas, o nosso povo, e ajuda a melhorar a qualidade e a produtividade. Isso é algo muito importante para nós.

ÉPOCA – De que forma essa mudança afetou a economia real do país?
Devorkovich – Nos anos 1990, a economia representava só 40% do que tínhamos no final dos anos 1980. Houve um colapso total. Foi como se o país tivesse enfrentado uma guerra. Só passamos por uma situação parecida em 1921, depois da Guerra Civil (após a tomada de poder pelos bolcheviques). Mas, nos últimos dez anos, conseguimos superar essa situação. Foi uma grande conquista a gente se recuperar de um declínio tão grande. Em termos financeiros, a nossa dívida pública também melhorou de forma significativa. Depois da crise de 1998, ela superou os 100% do PIB. Hoje, temos uma das menores dívidas públicas do mundo, na faixa de 10% do PIB. Então, do ponto de vista econômico-financeiro, também alcançamos um grande sucesso. Outra coisa: é importante entender que, nos anos 1980, uma parte substancial da economia estava ligada à indústria militar. Hoje, ela é muito mais voltada para o consumo privado. Uma grande parte da economia ainda depende das commodities, como petróleo e gás (70% das exportações). Mas houve uma enorme mudança, que mexeu na estrutura econômica do país. Nos últimos dez anos, ainda criamos uma legislação moderna, competitiva em relação ao resto do mundo. Ainda está longe de ser perfeita, mas o grande problema hoje não é a ausência de leis. É fiscalizar a sua aplicação.

ÉPOCA – Em sua opinião, quais são os principais desafios da Rússia para o futuro?
Devorkovich – O principal desafio é transformar uma economia baseada em commodities em uma economia mais centrada na inovação e no desenvolvimento tecnológico, com maior participação do setor de serviços no PIB. O segundo grande desafio é lidar com a questão demográfica, estabilizar a população que vive na Rússia. Tivemos progressos neste aspecto nos últimos cinco anos. A taxa de mortalidade caiu e a de natalidade subiu. Mas a população total ainda está caindo e não subindo. O terceiro maior desafio é lutar contra a corrupção, que é muito grande. Temos de aproveitar a legislação existente para reduzir a corrupção. Se não, vamos perder competitividade, porque a corrupção tem impacto no retorno dos investimentos.

ÉPOCA – Hoje, na Rússia, todo mundo parece concordar com a necessidade de diversificar a economia. Mas como transformar isso em realidade?
Dvorkovich – Embora as estatísticas ainda não mostrem isso, essa mudança já está acontecendo. Não tão rápido quanto gostaríamos, mas já está ocorrendo. Nas áreas de petróleo e gás, o potencial de crescimento é de 3%, 5% ou 10% ao ano. Em vários outros setores, as taxas de crescimento são maiores e o potencial de crescimento, também. Obviamente, durante a crise, essa situação se alterou. A indústria caiu, o setor de serviços enfrentou uma estagnação. E a importância do petróleo e do gás na economia subiu um pouco. Mas foi apenas por um ano e meio. Essa mudança ainda não aparece nos números. O efeito do preço do petróleo no PIB é muito grande. Quando o preço dobra, a participação no PIB aumenta. Isso não significa que houve um crescimento efetivo. Do ponto de vista financeiro, sim. Mas, em termos de atividade econômica, de trabalho, não.

ÉPOCA – Em comparação com a China, a Índia e o Brasil, a Rússia recebe pouco investimento estrangeiro. Por quê? O que pode ser feito para mudar isso?
Dvorkovich – Há duas razões para explicar a atual situação. A primeira é o tamanho do mercado. O mercado da China simplesmente é maior que o nosso. Esse é o fator mais importante na hora de os grandes grupos internacionais tomarem decisões de investimento. A segunda razão tem a ver com a transparência da regulação. Se você achar que a qualquer momento a legislação pode mudar, pensará duas vezes antes de fazer um grande investimento. Então, como não podemos fazer nada em relação ao tamanho do mercado, precisamos compensar isso com a criação de um ambiente mais estável do que temos hoje para os negócios – e isso é possível. Em todos os setores em que adotamos uma nova regulação e lançamos novos projetos para os próximos dez anos, houve um crescimento imediato do interesse de investidores estrangeiros. Muitos investimentos estão sendo anunciados e outros estão começando, como no setor farmacêutico. Todas as grandes companhias farmacêuticas começaram a olhar o mercado russo com atenção quando anunciamos as novas políticas e os novos projetos para o setor.

ÉPOCA – No caso da agricultura, que sofreu muito após o fim da União Soviética, o que o governo está fazendo?
Dvorkovich – Em 2006, nós anunciamos um novo programa agrícola. Desde então, apoiamos milhares de pequenos empreendimentos rurais. Alguns vão acabar desaparecendo. É um mercado arriscado e o seguro agrícola ainda não funciona bem. O sistema de apoio está apenas se formando. A infra-estrutura de distribuição ainda não está pronta. É uma tarefa de longo prazo, principalmente considerando o tamanho do nosso país. Em algumas regiões está melhor, em outras nem tanto. A tendência, porém, é que mais e mais pessoas voltem para a área rural. Alguns grandes grupos também acreditam que o potencial do agronegócio na Rússia é promissor. Diversos grupos, antes concentrados nos setores industrial e financeiro, entraram no agronegócio e se deram bem. Agora, precisamos encorpar o que já alcançamos, criar uma regulação mais previsível e eficiente e ampliar o apoio ao sistema nos próximos anos. Algumas pessoas acham que, se a gente entrar na OMC (Organização Mundial do Comércio), vamos perder competitividade. Isso não é verdade. Nós negociamos níveis diferentes de abertura e proteção e vamos continuar a apoiar a nossa agricultura da melhor forma

possível. Sem excessos, mas de forma eficiente, para formar um setor competitivo.

ÉPOCA – Na Rússia, montar um pequeno negócio ainda é muito complicado. Como é possível estimular o empreendedorismo no país?
Dvorkovich - Estamos tentando criar um ambiente de investimento mais atraente para as pequenas e médias empresas, mas a burocracia ainda é muito pesada. Como eu já disse, a luta contra a corrupção é o grande desafio, assim como a redução de barreiras administrativas. A única forma de mudar a estrutura da economia de forma radical é apoiar as pequenas e médias empresas. Não necessariamente com dinheiro do orçamento. Mas com a criação de um ambiente competitivo. Também é importante criar incentivos para o governo comprar serviços das empresas de menor porte.

ÉPOCA – Uma pesquisa realizada pela Universidade de São Petersburgo revelou que a maioria das pessoas que já têm um negócio próprio na Rússia não gostaria de vê-lo crescer. O que o senhor acha disso?
Dvorkovich – É uma fase natural no desenvolvimento do empreendedorismo. Eles têm medo de se transformar em grandes empresas, porque, se crescerem, a atenção sobre eles será maior e talvez tenham de enfrentar mais obstáculos. Infelizmente, essas mudanças não acontecem da noite para o dia. É preciso maior educação da sociedade sobre como essas coisas são feitas. É difícil.

ÉPOCA – Na China, onde também houve um longo período em que a livre iniciativa era proibida, o empreendedorismo se desenvolveu bem mais que na Rússia. Será que é algo cultural?
Dvorkovich – Isso não significa que os chineses estejam mais preparados para assumir mais riscos que os russos. Os russos estão preparados para assumir riscos inerentes ao empreendedorismo. Mas não querem enfrentar riscos relacionados ao governo, à polícia. Se você é um pequeno empresário, talvez possa evitar esses riscos. Mas, se você for tiver um negócio maior, certamente irá enfrentar esses riscos. É essa a atitude que as pessoas têm. É esse o tipo de sistema que estamos tentando destruir, reduzindo o papel das agências governamentais nos negócios.

ÉPOCA – Por que é tão difícil quebrar esse sistema?
Dvorkovich – Nós não tínhamos nenhuma tradição em instituições de mercado. Apesar de termos criado essas instituições, as cabeças das pessoas ainda não mudaram.

ÉPOCA - Se o senhor fosse adotar uma única medida agora, para resolver tudo isso, qual seria?
Dvorkovich – Eu não acredito nisso. Acho que todas as receitas levam tempo e demandam muito trabalho. Infelizmente, isso ainda vai levar toda uma geração para mudar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário