A Somália vem sendo destruída por décadas de conflitos e caos, com suas cidades em ruínas e seu povo passando fome. Em 2011, dezenas de milhares de pessoas morreram de inanição, e inúmeras outras foram mortas em combates incessantes. Agora, os somalis enfrentam mais um terror disseminado: um crescimento alarmante nos casos de estupro e abuso sexual de mulheres e meninas.
O grupo militante al-Shabab, que se apresenta como uma força rebelde moralmente justificada e defensora do Islã puro, está capturando mulheres e meninas como espólios de guerra, estuprando-as e abusando delas como parte de seu reino de terror no sul da Somália, de acordo com vítimas, agentes humanitários e funcionários da ONU. Sem dinheiro e perdendo terreno, os militantes também estão obrigando famílias a entregar meninas para casamentos arranjados que muitas vezes não duram mais do que algumas semanas e são basicamente uma escravidão sexual, uma forma barata de elevar o moral debilitado dos seus homens.
Mas o al-Shabab não é o único culpado. Segundo agentes humanitários e vítimas, nos últimos meses tem havido ataques generalizados de homens armados contra mulheres e meninas desalojadas pela fome no país, que muitas vezes percorrem centenas de quilômetros em busca de comida e acabam em acampamentos de refugiados lotados e sem lei, onde militantes islamitas, milicianos perigosos e até soldados do governo estupram, roubam e matam sem qualquer punição.
"A situação está se intensificando", afirmou Radhika Coomaraswamy, representante especial da ONU para crianças e conflitos armados.
Os combates recentes criaram um pico nos estupros oportunistas, ela disse, e "para os Shabab, o casamento forçado é outro aspecto que eles usam para controlar a população".Nos últimos meses, apenas em Mogadíscio, a ONU firma ter recebido mais de 2.500 relatos de violência contra mulheres, um número bastante alto. Mas, como a Somália é uma zona restrita para a maior parte das operações, funcionários da ONU afirmam não ser capazes de confirmar os relatos, deixando o trabalho para incipientes organizações de ajuda da Somália, que sofrem constantes ameaças.
A Somália é um lugar profundamente tradicional, onde 98 por cento das meninas passam pela mutilação genital, de acordo com dados da ONU. A maioria das garotas é analfabeta e fica restrita ao lar. Quando saem, geralmente é para trabalhar, caminhando penosamente pelos becos cheios de entulhos e cobertas por um pano preto grosso da cabeça aos pés, muitas vezes carregando algo nas costas, no calor do sol equatorial.
A fome e o consequente deslocamento em massa, iniciados no verão, deixaram as mulheres e meninas mais vulneráveis. Muitas comunidades somalis foram dispersas. Com grupos armados obrigando homens e garotos a se unirem a suas milícias, muitas vezes são as mulheres sozinhas, levando os filhos, que partem para a perigosa odisseia até os acampamentos de refugiados.
Ao mesmo tempo, agentes humanitários e funcionários da ONU afirmam que o grupo al-Shabab, que está combatendo o governo de transição da Somália e impondo uma versão bastante rígida do Islã nas áreas que controla, já não consegue mais pagar seus milhares de combatentes da mesma forma que antes. Apesar de confiscar plantações e gado, dar aos milicianos "esposas temporárias" é a forma pela qual o al-Shabab mantém muitos jovens em seu grupo.
Mas isso não chega nem perto de um casamento, afirmou Sheik Mohamed Farah Ali, ex-comandante do al-Shabab que passou para o lado do exército do governo.
"Não há cerimônia religiosa, nada", ele disse, acrescentando que os combatentes do al-Shabab já chegaram a se casar com meninas de até 12 anos, que ficam incontinentes pela agressão sexual. Se uma menina se recusa, disse, "ela é morta com pedras ou a bala".
Uma jovem acabou de ter um bebê, de origem somali e árabe. Ela afirmou ter sido escolhida por um combatente somali do al-Shabab que ela conhecia, trazida para uma casa cheia de armas e entregue a um imponente comandante árabe, um dos muitos estrangeiros que lutam no al-Shabab.
"Ele fiz o que quis comigo", ela disse. "Noite e dia". A jovem contou ter escapado enquanto ele dormia.
O Elman Peace and Human Rights Center é uma das poucas organizações somalis que ajudam vítimas de estupro. A organização é administrada por Fartuun Adan, uma mulher alta e extrovertida cujo marido, Elman, foi assassinado por guerrilheiros há alguns anos. Adan afirma que desde o começo da fome ela encontrou centenas de mulheres que foram estupradas e outras centenas que fugiram de casamentos forçados.
"Você não tem ideia do quanto é difícil para elas pedir ajuda", afirmou. "Não há justiça aqui, não há proteção. As pessoas dizem: 'Se você foi estuprada, você é um lixo'".
Muitas vezes as mulheres ficam feridas ou engravidam, sendo obrigadas a buscar ajuda. Adan quer expandir seus serviços médicos e atendimento psicológico para vítimas de estupro e possivelmente criar um abrigo, mas é difícil fazer isso com um orçamento de US$ 5 mil por mês, fornecido por uma pequena organização de ajuda chamada Sister Somalia. Dura, mas não impenetrável, Adan chorou enquanto ouvia o relato da menina de 17"Essas meninas me perguntam: 'Como vou me casar? Como vai ser meu futuro? O que vai acontecer comigo?'", ela disse. "Não podemos dar essa resposta."
Algumas das mulheres do escritório de Adan parecem ter vindo de outra época. Elas chegaram até aqui, com a ajuda da rede de Elman, vindas dos lugares mais longínquos da Somália rural, onde as mulheres ainda são tratadas como propriedade.
Uma jovem de 18 anos que pediu para ser chamada de Srta. Nur se casou aos dez anos de idade. Ela era nômade e afirma nunca ter usado um telefone ou visto um televisor.
Ela contou ter sido estuprada por dois combatentes do al-Shabab num acampamento de desalojados em outubro. A jovem afirmou que os homens nem se incomodaram em falar muito quando invadiram sua cabana. Eles apenas apontaram armas contra o seu peito e murmuraram essas palavras: "Fique em silêncio".
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