Há uma ameaça real à expectativa brasileira de seguir o caminho do crescimento com justiça social: o problema da Previdência Social. Nossa sociedade não demonstra não ter consciência de que o País está envelhecendo muito depressa
O desenvolvimento brasileiro tem muitos problemas a superar, que são próprios do processo de crescimento em qualquer economia. A compreensão de que é urgente reduzir as enormes carências em educação, na segurança pública, nos transportes, em saneamento básico, na saúde e na habitação é que estimula os investimentos e, no fundo, define as prioridades de ação política dos governos, ao tempo em que acende a imaginação e desperta o espírito animal dos empresários para solucioná-las.
Mais do que uma resposta aos problemas, no entanto, o desenvolvimento é, na realidade, um processo de criação de problemas: resolve-se um e de sua solução emergem outros dois que, na medida em que são superados, criam outros quatro, e assim por diante. A continuidade do crescimento pressupõe a capacidade de enxergar os novos problemas que estão sendo criados e dimensionar meios e modos de enfrentá-los.
O Brasil vive um processo de crescimento robusto e de rápida aceleração. Nesta primeira semana de junho, celebrados analistas informaram que o PIB do primeiro trimestre de 2010 cresceu 12,6% em relação ao seu homólogo de 2009, em bases anualizadas. É lógico que é um resultado em cima do índice de crescimento negativo do primeiro trimestre do ano passado, mas mesmo o menos entusiasmado tende a vê-lo como um feito extraordinário. Confirmado, terá sido superior ao crescimento chinês, de 11,2%, comparando os mesmos períodos. Dentre os BRIC, só perderemos para a Índia, que cresceu 13,4%.
Esses números, obviamente, não garantem o mesmo ritmo de crescimento nos demais trimestres. Permitem, no entanto, uma projeção para o crescimento do PIB de 6,5% para este ano, o que é um resultado excelente, sob todos os aspectos. A economia brasileira construiu de forma sólida, ao longo dos dois mandatos do presidente Lula, as condições de sustentar um ritmo de desenvolvimento com o PIB crescendo 6% ao ano, ou até um pouco mais, pelos próximos sete ou oito anos, praticamente até o fim da década. Enfrentou a crise financeira mundial sem comprometer a estabilidade monetária, prosseguindo nas políticas de redução das desigualdades de renda entre as pessoas, de expansão da oferta de empregos formais e da superação dos desequilíbrios regionais. E deixa consolidados os programas sociais, das bolsas de auxílio às famílias mais pobres, especialmente aqueles vinculados à exigibilidade da frequência escolar. Nada disso comprometeu o equilíbrio fiscal ou levo-u a desvios dos princípios da austeridade orçamentária.
Mantido o papel do Estado indutor, que atraia efetivamente os investimentos privados para a solução dos gargalos da infraestrutura, o Brasil terá um longo caminho de desenvolvimento com justiça social. Lembro que nos libertamos das duas dificuldades capazes de fazer abortar o processo de desenvolvimento: a escassez de energia e a ameaça de crise no balanço de pagamentos. E, de quebra, livramo-nos da dívida externa pública e o Brasil tornou-se credor mundial.
Há uma ameaça real, no entanto, capaz de comprometer toda essa expectativa de felicidade. Trata-se do problema da Previdência Social. A sociedade não demonstra ter consciência do fato de que o Brasil está envelhecendo muito depressa. O número de pessoas com mais de 65 anos cresce dramaticamente e, em 2020, será o dobro do que é hoje. Ora, dez anos é quase nada. É preciso, portanto, começar hoje e desde logo pela correção da enorme injustiça que é a diferença que existe entre o valor das aposentadorias dos servidores públicos e dos trabalhadores das empresas privadas: o funcionário do Poder Executivo recebe, em média, uma aposentadoria sete vezes maior do que seu correspondente no setor privado; no Legislativo, a aposentadoria chega a ser 20 vezes superior e no Judiciário, 25 vezes maior. Isso caracteriza uma redistribuição de renda que chega a ser indecente em favor do funcionalismo público.
Ninguém vai mudar isso hoje, retroagindo, mas é preciso produzir uma reforma que coloque todos no mesmo regime, cada um fazendo jus à aposentadoria de acordo com seu nível de contribuição. Isso parece tão evidentemente justo que deveria ser fácil de aprovar, mas, infelizmente, tem sido impossível. Além de justa, a correção é absolutamente necessária para que os benefícios previdenciários sobrevivam, atendendo tanto os que já estão no sistema como os que ingressarem no novo regime único.
Fonte:Delfim Neto, economista e colunista da Revista Carta Capital
O desenvolvimento brasileiro tem muitos problemas a superar, que são próprios do processo de crescimento em qualquer economia. A compreensão de que é urgente reduzir as enormes carências em educação, na segurança pública, nos transportes, em saneamento básico, na saúde e na habitação é que estimula os investimentos e, no fundo, define as prioridades de ação política dos governos, ao tempo em que acende a imaginação e desperta o espírito animal dos empresários para solucioná-las.
Mais do que uma resposta aos problemas, no entanto, o desenvolvimento é, na realidade, um processo de criação de problemas: resolve-se um e de sua solução emergem outros dois que, na medida em que são superados, criam outros quatro, e assim por diante. A continuidade do crescimento pressupõe a capacidade de enxergar os novos problemas que estão sendo criados e dimensionar meios e modos de enfrentá-los.
O Brasil vive um processo de crescimento robusto e de rápida aceleração. Nesta primeira semana de junho, celebrados analistas informaram que o PIB do primeiro trimestre de 2010 cresceu 12,6% em relação ao seu homólogo de 2009, em bases anualizadas. É lógico que é um resultado em cima do índice de crescimento negativo do primeiro trimestre do ano passado, mas mesmo o menos entusiasmado tende a vê-lo como um feito extraordinário. Confirmado, terá sido superior ao crescimento chinês, de 11,2%, comparando os mesmos períodos. Dentre os BRIC, só perderemos para a Índia, que cresceu 13,4%.
Esses números, obviamente, não garantem o mesmo ritmo de crescimento nos demais trimestres. Permitem, no entanto, uma projeção para o crescimento do PIB de 6,5% para este ano, o que é um resultado excelente, sob todos os aspectos. A economia brasileira construiu de forma sólida, ao longo dos dois mandatos do presidente Lula, as condições de sustentar um ritmo de desenvolvimento com o PIB crescendo 6% ao ano, ou até um pouco mais, pelos próximos sete ou oito anos, praticamente até o fim da década. Enfrentou a crise financeira mundial sem comprometer a estabilidade monetária, prosseguindo nas políticas de redução das desigualdades de renda entre as pessoas, de expansão da oferta de empregos formais e da superação dos desequilíbrios regionais. E deixa consolidados os programas sociais, das bolsas de auxílio às famílias mais pobres, especialmente aqueles vinculados à exigibilidade da frequência escolar. Nada disso comprometeu o equilíbrio fiscal ou levo-u a desvios dos princípios da austeridade orçamentária.
Mantido o papel do Estado indutor, que atraia efetivamente os investimentos privados para a solução dos gargalos da infraestrutura, o Brasil terá um longo caminho de desenvolvimento com justiça social. Lembro que nos libertamos das duas dificuldades capazes de fazer abortar o processo de desenvolvimento: a escassez de energia e a ameaça de crise no balanço de pagamentos. E, de quebra, livramo-nos da dívida externa pública e o Brasil tornou-se credor mundial.
Há uma ameaça real, no entanto, capaz de comprometer toda essa expectativa de felicidade. Trata-se do problema da Previdência Social. A sociedade não demonstra ter consciência do fato de que o Brasil está envelhecendo muito depressa. O número de pessoas com mais de 65 anos cresce dramaticamente e, em 2020, será o dobro do que é hoje. Ora, dez anos é quase nada. É preciso, portanto, começar hoje e desde logo pela correção da enorme injustiça que é a diferença que existe entre o valor das aposentadorias dos servidores públicos e dos trabalhadores das empresas privadas: o funcionário do Poder Executivo recebe, em média, uma aposentadoria sete vezes maior do que seu correspondente no setor privado; no Legislativo, a aposentadoria chega a ser 20 vezes superior e no Judiciário, 25 vezes maior. Isso caracteriza uma redistribuição de renda que chega a ser indecente em favor do funcionalismo público.
Ninguém vai mudar isso hoje, retroagindo, mas é preciso produzir uma reforma que coloque todos no mesmo regime, cada um fazendo jus à aposentadoria de acordo com seu nível de contribuição. Isso parece tão evidentemente justo que deveria ser fácil de aprovar, mas, infelizmente, tem sido impossível. Além de justa, a correção é absolutamente necessária para que os benefícios previdenciários sobrevivam, atendendo tanto os que já estão no sistema como os que ingressarem no novo regime único.
Fonte:Delfim Neto, economista e colunista da Revista Carta Capital
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