Em 1976, plena ditadura militar, a baiana Eliana Calmon dá parecer favorável a um mandado de segurança dos estudantes contra a invasão da UnB por policiais. O então procurador-geral da República, Henrique Fonseca de Araújo, inverte o conteúdo para agradar o regime. Calmon não aceita e larga a Procuradoria: "Se o sr. quiser assinar, o sr. assine. Eu não assino", reagiu Calmon. Saiu da sala dele e pensou: "Basta!". Passou em quarto lugar no primeiro concurso de juiz que surgiu e deu a guinada que a tornaria, anos depois, ministra do Superior Tribunal de Justiça, a segunda mulher numa corte superior.
Atual corregedora do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que investiga o Judiciário, ela causou polêmica no Supremo Tribunal Federal ao dizer que há "bandidos atrás das togas". Mas foi defendida por entidades e cidadãos. Um dos apoios foi nos bastidores do Planalto, dominado por um trio feminino.
Ao ler as declarações de Calmon, a presidente Dilma Rousseff sorriu: "Essa é das minhas".
A personalidade forte, a rebeldia e a mania de falar tudo o que pensa vêm de longe para a soteropolitana Eliana Calmon, 65. Mais velha de três filhos, foi uma aluna exemplar. Mas atrevida, dava trabalho para as freiras do Colégio Nossa Senhora da Soledade.
Sérgio Lima - 27.set.2011/Folhapress
Atual corregedora do CNJ, Eliana Calmon causou polêmica no Supremo ao dizer que há ''bandidos atrás das togas''
Com 1m70, pé número 39 desde menina, se insubordinava com o critério de altura que a empurrava para o último lugar da fila e criava caso. Assim como roubava pitangas do jardim das freiras.
Desinibida, falava bem. Era quem recitava as poesias e fazia os discursos nas festinhas. De quebra, arbitrava as desavenças entre os pais.
Amigos da família previam: "Essa menina vai ser advogada". Mas, ao entrar na Universidade Federal da Bahia, queria ser promotora.
A militância política foi "de esquerda light", sem filiação partidária. Casou-se no último ano da faculdade com um militar da Marinha. Hoje divorciada, só teve um filho, aos dez anos de casamento.
Moraram no Rio e em Natal, onde tirou primeiro lugar para auxiliar de ensino na Faculdade de Direito e conquistou a única vaga.
Depois, foi secretária do Conselho Penitenciário até passar no concurso para procuradora da República, em 74. Dois anos depois, Procuradoria-Geral da República, em Brasília. E, enfim, juíza.
Atuou dez anos como juíza na Bahia, foi promovida depois para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, englobando 14 Estados, mas com sede em Brasília.
Foi aí que ela articulou o núcleo original da Escola de Magistratura. Uma de suas máximas é que "juiz não pode estar só".
Quando decidiram lançá-la para ministra, assustou-se: "Eu? Ministra? Irreverente desse jeito?!" Perdeu passivamente da primeira vez, mas se mexeu na segunda.
Calmon havia relatado um processo de interesse do senador Edison Lobão (hoje ministro de Minas e Energia), que a procurou e pediu informações. Após a decisão -favorável a ele-, ela lhe enviou uma cópia da peça.
Candidata ao STJ, ela se lembrou e usou implicitamente o princípio de reciprocidade. Lobão se tornou seu maior cabo eleitoral, junto ao senador Jader Barbalho (PA), à época presidente do PMDB.
O cerco fechou quando o candidato do senador baiano Antonio Carlos Magalhães foi preterido. Ele telefonou para Calmon: "O presidente [Fernando Henrique Cardoso] tem compromisso com a Bahia, e a senhora tem muitos amigos". Virou ministra.
A história foi contada pela própria Eliana na sua sabatina no Senado com duplo intuito: agradecer o apoio, e tornar-se impedida de julgar qualquer ação envolvendo ACM, Lobão e Barbalho.
Apesar da imagem de mulher forte, destemida, irreverente, Eliana Calmon adora cozinhar e publicou o livro "Receitas Especiais", cuja renda vai toda para uma instituição de caridade.
Malha todos os dias às 6h, dirige o próprio carro, gosta de perfumes, colares e roupas modernas. No celular, uma foto do neto Miguel: "O homem da minha vida", diz.
Fonte:Folha de São Paulo
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