Pesquisar este blog

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Os ingleses e suas falsas excentricidades

Não há registro histórico de um inglês excêntrico. São iguais a todo mundo. O mito foi criado pelos próprios ingleses para se tornarem mais interessantes.

É como o malandro carioca da invenção do teatro-revista e das chanchadas. Camisa listrada, calça boca sininho, ginga e, às vezes, um chapéu de palha na cabeça ou na mão fazendo seu telecoteco.
A última vez que foi visto um espécime desses foi ou cantando e dançando atrás da Carmen Miranda ou em desenho animado do Walt Disney.
Os franceses vivem para o amor e os prazeres da mesa, os italianos gesticulam e discutem o tempo todo, os botsuanenses... Bem, deixemos os botsuanenses para lá. Ser botsuanense na vida já é bastante complicado. Na verdade, não chego a sequer acreditar na existência de um país chamado “Botsuana”.
Os ingleses cultivam, isso sim, desde a perda do império, as exceções. De vez em quando, uma excentricidade dá molho a um mundo sem jeito nem graça. Exploro essas exceções. Depois de 3 décadas, saquei, enfim, o esquema que eles bolaram.
Sou explorador de exceções inglesas, todas mais preparadas que um atleta para os 200 metros rasos dos Jogos Olímpicos do ano quem. Coleciono-as não só para ter assunto sobre o qual escrever, mas como também por prazer intelectual. Considero-me o Hercule Poirot das chamadas “exceções inglesas”.
Flagrei em pleno delito uma delas nesta semana que passou. Uma série de pessoas, mancomunadas, tentando manter acesa a chama da bizarria britânica, cansadas todas das Olimpíadas de 2012.
O caso é que a senhora Carol Baker, de 34 anos, juntamente com seu marido, Paul Baker, 34 anos, da cidade de Brentwood, no condado de Essex, resolveram adotar uma criança. Conscienciosos, passaram por todo o longo e, por vezes, chatíssimo processo que esse tipo de coisa exige.
Durante 10 meses, foram às devidas autoridades armados de toda a papelada necessária, passaram por diversas entrevistas com aqueles que regem o conselho local e cuidam desses assuntos, até que numa das arguições burocráticas, foi perguntado ao casal se algum dos dois fumava.
Paul, esperançoso futuro pai de família, optou pela política de honestidade (uma excentricidade inglesa aliás e quase sempre um erro) e respondeu que a mulher não fumava nem ele. Só que informou um pouco mais do que lhe fora perguntado. Acrescentou que, há uns tempos, numa festa de casamento, fumara um charuto.
Paul não deve ter notado a expressão do funcionário publico que perscrutava as intimidades da vida do casal. Uma sombra cor de fumaça deve ter lhe passado pelo semblante caxias.
No dia seguinte, o casal Baker foi notificado de que eles não reuniam as condições para adotarem uma pobre criança inocente. Desolação no lar dos Baker. A dona de casa, Claire, com menos papas na língua, foi direto aos jornais, primeiro os locais e, depois, à imprensa, que adora essas histórias (eles também propagam o mito da excentricidade e também não aguentam mais os Jogos Olímpicos de 2012) além de ser uma boa oportunidade de malhar a burocracia – essa não é mito – que anda reinando no país. Claire declarou que o evento proibitivo não era mais que “correção política desvairada.”
O Conselho local, procurado pela imprensa, declarou que lei era lei e que o condado de Essex proibia a adoção de crianças por pessoas que tivessem fumado nos últimos 12 meses.
O casal Baker mora numa casa decente de 6 quartos, que não poderia ser mais Baker, onde não há cinzeiros mas sim 4 crianças não-adotadas. O médico da família, em depoimento juramentado, declarou que o pai em perspectiva não é e nem nunca fora fumante.
Um funcionário público local, que preferiu quedar-se envolto em seu justo manto do anonimato, declarou para a imprensa reunida em torno dele o seguinte: "Não podemos comentar sobre casos individuais, mas as decisões tomadas quanto a um pedido de adoção são justas e rigorosas".
De resto, espera-se muito da equipe inglesa que participará do decatlo nos Jogos de 2012.
Autor::Ivan Lessa Colunista da BBC Brasil 

Nenhum comentário:

Postar um comentário